SERÁ PRECISO TIRAR JESUS DO CAMINHO
- mundioca
- há 2 dias
- 3 min de leitura

Até quando os cristãos vão conseguir carregar Jesus como se fosse um enfeite de bolso? A pergunta parece absurda, quase uma blasfêmia, mas não se iluda: em algum momento ela será inevitável. O cristianismo cresce, se infiltra, conquista espaço político e se comporta como qualquer império, faminto, disciplinado e sem pudor de usar o nome do seu profeta como arma estratégica.
Nos Estados Unidos, Donald Trump, a versão empresarial do messias do capital, posa ao lado do Cristo Redentor em anúncios pagos com a legenda: “Nós vamos proteger isso.” Proteger o quê? O símbolo? A fé? Ou apenas o lucro político que esse símbolo rende? Nada mais cristão, na lógica deles, que usar Jesus como escudo de marketing.
No Brasil, o espetáculo é ainda mais descarado. A ala cristã, especialmente as igrejas evangélicas, disputa o poder com a sutileza de um trator. A Universal, gigante religiosa e empresarial, foi uma das forças que colocaram Jair Bolsonaro no Planalto. Outras vertentes neopentecostais ocupam cargos, conselhos, espaços e verbas com a fome de quem descobriu que o céu é bom, mas Brasília é melhor.
O nome Jesus segue sendo o trampolim preferido. Mas até quando essa conveniência vai funcionar?
Porque poder não é saciado, ele engorda. E quando engorda, começa a empurrar tudo que atrapalha. Inclusive o Cristo.
A contradição já é barulhenta demais: fala-se em Jesus com a boca, mas se defende o oposto dele com as mãos. Basta observar as posições desses grupos sobre migrantes, pobres, diversidade, direitos sociais, perdão, acolhimento, justiça econômica, tudo aquilo que Jesus defendia com escândalo e insistência. Não precisa teologia: só precisa olhos.
Mas é claro, para não passar vergonha, muitos “líderes espirituais” resolveram trocar de Bíblia. Ignoram o Novo Testamento e mergulham no Velho, onde encontram um Deus severo, militarizado, punitivo, perfeito para justificar guerras culturais e bancadas parlamentares. O Jesus manso, crítico dos ricos e amigo dos indesejáveis é inconveniente demais para quem construiu impérios milionários vendendo prosperidade.
O chamado “cidadão de bem” conseguiu a proeza histórica de atrelar Deus à escravidão, à segregação, ao preconceito, ao acúmulo de riqueza e à manutenção do privilégio. Uma ginástica moral impressionante, e grotesca. E, por favor, ninguém precisa ser especialista para saber que Jesus era inimigo declarado de tudo isso.
E então volta a pergunta: por quanto tempo essa farsa vai se sustentar?
Porque em algum momento alguém vai apontar para o elefante na sala: Jesus não cabe dentro desse projeto de poder. A mensagem dele é um espinho na garganta de quem prega ódio como virtude e ganância como bênção.
E quando o desconforto ficar grande demais, só restará uma saída:
Será preciso tirar Jesus do caminho.
Sim, vão precisar empurrá-lo para fora da narrativa.Transformá-lo no problema. Reescrever sua história ao contrário. Fazer do Nazareno, pobre, insubmisso, revoltado contra instituições e defensor dos rejeitados, um inimigo da ordem.
Jesus, para essa elite religiosa e política, precisará ser recarimbado como: subversivo, comunista, inimigo da família, vagabundo, maconheiro espiritual, desordeiro, perigo para a prosperidade.
E será fácil crucificá-lo de novo, desta vez com nota fiscal, transmissão ao vivo e aplauso das bancadas. Com a bênção da mídia, dos governantes e, tragicamente, dos próprios cristãos.
Porque, no fim, o poder sabe o que faz: se Jesus atrapalha, Jesus tem que sair.
Beto Ehong
Artista, produtor, escritor, radialista









Tmj